Estigma e discriminação sociais como fardo oculto no processo saúde-doença

Autores

Rilva Lopes de Sousa-Munoz
UFPB
Lílian Débora Paschoalin Miguel
UFPB

Sinopse

Nos últimos 50 anos, o estigma e a discriminação sociais tornaram-se um tema cada vez mais importante para as ciências da saúde. Um informativo da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1999 foi intitulado "o ônus indefinido e oculto dos problemas de saúde mental", para mostrar a grande carga econômica, sanitária e psicossocial das doenças mentais, destacando o estigma e a discriminação associados e encarados como um fardo oculto.

O papel que desempenhamos como médicos e professores da área da saúde, assim como nosso compromisso com a correspondente prestação do cuidado, são determinantes para o estudo e o combate às desigualdades no acesso e qualidade da atenção à saúde da população. Em nossos papéis profissionais, somos responsáveis ​​por formar e orientar, assim como pesquisar e defender, um melhor atendimento à comunidade que sofre pelo estigma e discriminação sociais na saúde. Esta é a principal motivação para o presente trabalho, que deriva diretamente de nossa ação docente no curso “Estigma e Discriminação na Atenção à Saúde”, do Departamento de Medicina Interna (Centro de Ciências Médicas) na Universidade Federal da Paraíba, Campus I.

O estigma social no contexto da saúde é a associação negativa entre uma pessoa ou grupo de pessoas que compartilha certas características ou uma doença específica. A estigmatização é caracterizada pela evitação social de uma pessoa por outras pessoas, o que representa uma fonte expressiva de estresse e desvantagem social, com efeitos substanciais na saúde da população afetada, comparáveis aos efeitos de outros determinantes sociais da saúde, como status socioeconômico e apoio social. Ao lado destes fatores, o estigma social e a discriminação potencializam significativamente as barreiras de acesso aos serviços de saúde. Este acesso implica não apenas a capacidade de indivíduos ou grupos obterem os serviços necessários, mas também como estes serviços lhes são entregues.

O acesso ao sistema de saúde, por sua vez, e como resultante dos fatores mencionados, é considerado um importante determinante social de saúde. Sabemos que as inequidades nesta área são devidas em grande parte às desigualdades sociais, o que significa as condições nas quais nascemos, crescemos, vivemos, trabalhamos e envelhecemos.

A equidade em saúde é importante para todos nós porque representa grande parte do que denominamos  justiça social. Nós nos tornamos, no Brasil e em muitos outros países, uma sociedade injusta, ao deixarmos de atender às necessidades de pessoas que se encontram em posições de grande desvantagem psicossocial em circunstâncias de adoecimento.

Em geral, nós percebemos as outras pessoas por meio do filtro ou da perspectiva de nossa própria educação e cultura, muitas vezes sem estarmos cientes disso. Em seu livro “A Doença como Metáfora”, a escritora Susan Sontag afirma que os símbolos que usamos para descrever doentes e doenças moldam nossa experiência; nosso discurso cultural sobre doenças como câncer e HIV/AIDS, por exemplo, produz medo e estigma que dificultam o atendimento e marginalizam os pacientes. Portanto, como profissionais da saúde, devemos nos tornar culturalmente conscientes e sensíveis e, assim, competentes, para trabalhar acolhendo a grande diversidade dos usuários dos serviços de saúde. É nossa cultura, e não nossa biologia, que determina quais doenças são estigmatizadas e quais não são.

Neste livro, “Estigma e Discriminação Sociais como Fardo Oculto no Processo Saúde-Doença”, abordamos aspectos relacionados ao estigma e à discriminação na saúde (ageísmo e ableísmo)e na doença (doenças mentais e HIV/AIDS). Não enfocamos aspectos fundamentais dos tipos predominantes de discriminação com amplo impacto na assistência à saúde, como os decorrentes da relação entre  grupos sociais dominantes e oprimidos, como os raciais/étnicos (racismo), de sexo (sexismo), anti-LGBTQIA+ - lébicas, gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais, assexuais e Queer - (heterossexismo) ou classe social (viés de classe), que são são o escopo do presente livro, pois são temas sociológicos estruturais mais abrangentes, porém são constructos que permeiam o manuscrito à medida que abordamos os demais tipos de preconceito, discriminação e estigma, sobretudo no tocante ao papel fundamental dos determinantes sociais da saúde no processo saúde-doença. Além disso, nós buscamos destacar a discussão contemporânea sobre os impactos direto e indireto do estigma e da discriminação nos sistemas de saúde, de acordo com o comportamento de busca de atenção e utilização dos serviços.

O estigma está associado a condições de saúde que aumentam a carga de doenças em países em desenvolvimento, incluindo as principais, HIV/AIDS, e transtornos mentais, que serão objeto de capítulos deste trabalho.

A conscientização do fato de que a estigmatização é um dos principais - se não o principal - obstáculo ao acesso da maior parte das pessoas com determinadas doenças está aumentando. Em vários países, governos, organizações não-governamentais e instituições de saúde lançam campanhas para reduzir o estigma e a discriminação, sobretudo em países desenvolvidos.

Contudo, é importante também considerarmos que o setor da saúde emprega muitos profissionais que não participam ativamente dos esforços para redução e eliminação desses fenômenos altamente deletérios. Nesse sentido, recorremos ao educador brasileiro Paulo Freire a respeito do conceito da busca pela igualdade, que inclui o desenvolvimento da consciência crítica mediante um processo de reflexão e ação. Neste sentido, destacamos que é o setor da saúde e os profissionais deste que poderiam ganhar significativamente, como instituição, com a redução do estigma, quase tanto quanto os indivíduos que têm a doença, condição ou traço estigmatizado.

Assim, o nosso objetivo neste livro é oferecer uma aproximação ao debate sobre o estigma e a discriminação como um fardo oculto e significativo de grande parte dos usuários do nosso sistema de saúde. É um trabalho voltado fundamentalmente para nossos alunos que se interessam pelos componentes curriculares do eixo humanístico nos cursos de graduação da área da saúde, assim como pós-graduandos de programas da saúde e interdisciplinares, além de gestores do sistema de saúde.

Organizações e indivíduos não têm apenas obrigação moral e legal de não discriminar pessoas com problemas de saúde e outros atributos estigmatizados, mas também de agir para eliminar a discriminação, quando esta se fizer presente.

Existe uma grande relevância em entendermos melhor os vínculos entre estigma, preconceito, discriminação e saúde para buscar o desenvolvimento de estratégias eficazes de saúde pública. É preciso desafiar o estigma e a discriminação na atenção à saúde.

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Publicado

December 11, 2020

Detalhes sobre essa publicação

ISBN-13 (15)

978-65-5942-052-0